Dora Sílvia Cunha Bueno*
Neste início de campanha eleitoral, nas várias entrevistas e debates já realizados, os candidatos à Presidência da República verbalizaram suas propostas para áreas como saúde, educação e inclusão socioeconômica, decisivas para um país com 13 milhões de desempregados e estacionado na 79.ª posição, dentre 188 nações, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Curiosamente, porém, nenhum dos postulantes citou seus planos para o terceiro setor, com certeza o principal aliado do governo no atendimento àquelas prioridades e no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), no âmbito da Agenda 2030 da ONU.
As instituições de natureza privada dedicadas ao bem comum e a programas de caráter público precisam ser ouvidas por quem tem o propósito de governar, pois há demandas importantes para que continuem desempenhando com eficácia a sua missão, cujo significado está expresso em números.
Outro segmento do terceiro setor que presta relevantes serviços à sociedade é o filantrópico, que oferece vagas para dois milhões de estudantes, dos quais 600 mil são bolsistas, e responde por 53% dos atendimentos do SUS em todo o Brasil. Além disso, mantém os únicos hospitais existentes em 968 municípios brasileiros (fonte: Fonif).
A despeito de sua relevante contribuição, que também inclui áreas como cultura, ciência, tecnologia, P&D, esportes, meio ambiente e assistência social, o terceiro setor ainda enfrenta insegurança jurídica e alguns obstáculos à sustentabilidade dos serviços que presta aos brasileiros.
Verificaram-se, de modo fragmentado, alguns avanços pontuais, que mereceram grande empenho de instituições como a Associação Paulista de Fundações (APF), que completa 20 anos em 2018, e várias entidades representativas dos distintos segmentos das OSCs. Uma dessas conquistas foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2015, de considerar constitucional a Lei 9.637/1998, das Organizações Sociais, que normaliza a sua atuação. Outra foi a Lei 13.151/2015, que permitiu a remuneração de dirigentes dessas instituições, contribuindo para a sua profissionalização.
Contudo, persistem ameaças à segurança jurídica do terceiro setor, um risco também para os milhões de brasileiros que ele atende. Isso não pode ser ignorado pelos candidatos à Presidência da República, ao Senado e à Câmara dos Deputados. O mais agudo, considerando o teor de projetos já em tramitação no Congresso, dentre eles o da reforma previdenciária, refere-se a mudanças nos artigos 150 e 195 da Constituição Federal, que proíbem o poder público de instituir impostos sobre o patrimônio, renda e serviços, bem como PIS/Cofins, às entidades de assistência social, educação e saúde.
A imunidade das instituições do terceiro setor estabelecida pela Carta Magna corresponde a apenas 2,87% da Previdência. O mais importante, contudo, é que, na prática, essas entidades não têm benefícios fiscais. Ao contrário, pois devolvem à Nação seis vezes mais do que deixam de arrecadar.
As eleições de outubro, nas quais os brasileiros renovarão nas urnas a esperança de acabar definitivamente com a impunidade, mitigar os índices de pobreza, melhorar as condições da vida e ingressar num ciclo de desenvolvimento, exigem muita reflexão com foco nessas metas.
As entidades representativas do terceiro setor devem assumir, de modo sinérgico, um papel de protagonismo nesse debate, pois, além dos serviços de caráter público que prestam, são interlocutoras permanentes entre o Estado e a sociedade, defendendo os valores da ética, transparência e compliance.
*Dora Sílvia Cunha Bueno é vice-presidente do FONIF e presidente da Associação Paulista de Fundações (APF)
Fonte: O Estado de São Paulo