Em Jundiaí, Fundação Antonio Antonieta Cintra Gordinho investe em educação de qualidade para crianças e adolescentes de baixa renda
Por Giovana Viveiros Bertoldo e Emilio Sant’Anna
Luana, Artur, Giovana e Alison podem dar a impressão de que, sorridentes na foto acima, superaram qualquer expectativa que deles se pudesse ter. Os quatro, no entanto, estão exatamente onde e como deveriam estar: no caminho para conhecerem o mundo que escolheram e, mais importante, sem parar.
Filhos de famílias humildes, os ex-alunos da escola mantida pela Fundação Antonio Antonieta Cintra Gordinho, em Jundiaí (a 55 km de São Paulo), aproveitaram a chance que receberam e seguiram o desenvolvimento natural de qualquer adolescente, independentemente do CEP em que nasceram.
Outra forma de dizer o mesmo: eles exploraram seus potenciais impulsionados pelo trabalho educacional de mais de 60 anos da entidade. “Uma criança é potente, não importa a classe social em que ela está”, diz a vice-presidente da fundação, Maria Thereza Passos Gordinho Amaral de Oliveira.
“Esse é nosso olhar para elas. As crianças ajudam a construir nosso projeto pedagógico.”
Da creche ao terceiro ano do ensino médio, 1.200 alunos são atendidos pela escola da instituição filantrópica, que é mantida com recursos próprios deixados por seus fundadores - Antonio e Antonieta- e administrados pela fundação.
Nenhuma família dessas crianças e adolescentes paga qualquer tipo de mensalidade. As aulas são em período integral, das 7h30 às 16h. A alimentação também é responsabilidade da escola. Quatro refeições são servidas diariamente a todos os alunos.
Para estarem ali, esses jovens passaram por um sorteio de vagas e uma rigorosa avaliação de suas condições socioeconômicas. A renda não pode ultrapassar 1,5 salário mínimo (R$ 1.567) por membro da família.
Uma vez dentro da escola, os caminhos se abrem para esses jovens. Como irão percorrê-los cabe a eles decidir, mas sempre com a supervisão atenta dos professores, diretores e assistentes sociais da fundação, que mantêm contato estreito com as famílias.
“A filantropia na educação é algo muito importante. Quando você vê essas crianças tendo resultados impressionantes, entrando nas principais universidades, é uma emoção muito grande. É para isso que eles vêm para cá”, diz Maria Thereza. “E fazemos isso sem sermos assistencialistas. Não que alguns não precisem de maior assistência.”
Luana Franco Biazolli, 19, nasceu e cresceu em um bairro de classe média baixa de Jundiaí. Com mais dois irmãos, seria impossível para seus pais, um técnico de empilhadeira e uma técnica de enfermagem, pagar uma escola particular para todos. Após fazer os ensinos fundamental 1 e 2 em uma escola pública, ela foi sorteada para uma vaga do primeiro ano do ensino médio no colégio da fundação.
Como, geralmente, os alunos ingressam na escola ainda na educação infantil, a tendência é que as mesmas turmas sigam ano a ano juntas, sobrando poucas novas vagas para os anos que vêm a seguir. Hoje, Luana é aluna de ciências sociais, na Unicamp, umas das melhores e mais prestigiadas. universidades públicas do país. “Quando passei para a segunda fase [do vestibular], os professores se juntaram para dar todo o suporte para mim e para os outros que também tinham passado”, afirma.
“Muitos deles abriam mão do horário de almoço para nos explicar uma matéria ou para nos dar apoio psicológico. “
O processo de seleção pelo qual Luana passou para ingressar na escola, Giovana Viveiros Bertoldo, 18, viveu ainda antes, na educação infantil. A garota entrou na creche aos 3 anos e foi até o fim do ensino médio.
Cozinheira, a mãe da garota sabe que a família não poderia pagar por uma escola como a da Fundação Antonio Antonieta Cintra Gordinho e ainda se lembra dos dias em que esperava pelo resultado da seleção. “Na primeira chamada o nome dela não estava, mas depois acabou sendo sorteada e a assistente social veio aqui conhecer nossa casa”, diz Maria do Rosário Viveiros Bertoldo.
Para que Giovana chegasse na hora na aula, sua mãe pulava da cama todos os dias às 5h, a tempo de colocá-la no ônibus e vê-la partir para cruzar a cidade até a escola -que fica em uma fazenda. “Sempre ouvi falar e conhecia, sabia que todas as mães queriam colocar seus filhos lá. Por isso fazia tanta questão”, afirma.
Neste ano, a garota ingressou na PUC-Campinas, com bolsa integral do Prouni, e começou outra caminhada, agora para se tornar jornalista. Esta reportagem, que também é assinada pela jovem, pode ser o primeiro de um sem número de trabalhos que terão seu nome.
A vocação para a profissão foi despertada no curso técnico de mídia, oferecido pela fundação no contraturno das aulas regulares do segundo ano. “Eu ainda estava dividida com a possibilidade de estudar letras, mas ali ficou claro para mim o que queria mesmo”, diz a garota, que escreve poesias e já teve um de seus trabalhos publicados em uma coletânea.
“É uma escola de oportunidades. E a gente luta para que o perfil seja esse mesmo, de alunos responsáveis por seus estudos”, diz a diretora institucional Patrícia Nogueira Wanderley Razza, há 16 anos na fundação.
Na mesma PUC-Campinas em que Giovana dá seus primeiros passos na vida universitária, Artur de Oliveira Torresan, 18, é bolsista integral do curso de artes visuais. O rapaz ingressou na escola Antonio Cintra Gordinho no primeiro ano do ensino médio. “Eu não sei como teria sido o meu ensino médio em outro lugar. Mas a fundação teve o papel principal de me colocar na universidade”, afirma o jovem sobre o papel que a instituição teve em sua formação.
Artur acredita que as pontuações obtidas na redação e em matemática no Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, foram seus diferenciais para obter a bolsa do ProUni. Ele também reconhece a importância de outro curso técnico oferecido pela fundação: o de administração. “A capacidade de ler, interpretar e algumas áreas da administração me ajudaram a realizar questões da prova”, diz o universitário.
O jovem enxerga possibilidades para seu futuro. “Pretendo dar aula de artes. Eu me imagino lecionando para crianças ou ilustrando livros infantis”, afirma.
Seu amigo Alison César de Almeida, 17, que ingressou no mesmo ano de Artur, sempre foi o fotógrafo da turma. “Foi nas aulas de artes que descobri minha vontade de ser fotógrafo”, diz o jovem que, em 2018, fez o curso livre de mídia na instituição e começou a dar os primeiros passos no mundo da fotografia, com ensaios e registros de aniversários.
“FIQUEI COM MEDO DE NÃO ME GRADUAR, MAS MEUS PROFESSORES DISSERAM QUE NÃO É SÓ A FACULDADE QUE ABRE PORTAS. EXISTEM CURSOS E WORKSHOPS. ISSO ME DEIXOU MAIS SEGURO”, AFIRMA.
Entre o muito que Alison leva da escola mantida pela fundação, uma lição ele diz não esquecer.
“Uma frase que os professores diziam muito para mim era ‘pense fora do quadrado’. Até hoje eu uso isso na minha profissão”, afirma o jovem, que fez algumas das fotos desta reportagem.
Neste ano, com as aulas presenciais suspensas desde março nas redes públicas e privadas devido à pandemia do novo coronavírus, a escola da fundação passou a disponibilizar o conteúdo pedagógico virtualmente por meio de uma plataforma digital. Como o acesso a uma rede de internet de qualidade não é igual entre os jovens e muitos têm apenas o celular com pacote de dados limitado para poder estudar, funcionários da escola entregam semanalmente na casa dos alunos as aulas e exercícios impressos.
Não apenas o material de estudo impresso é entregue nas casas das crianças e adolescentes. Durante a suspensão das aulas presenciais, mensalmente uma cesta básica oferecida pela fundação também é dada para as famílias dos jovens.
A preocupação com a formação dos alunos vai além. Assim como Luana, Artur, Giovana e Alison ingressaram em algum dos cursos técnicos oferecidos no contraturno das aulas, os quatro também fizeram parte do projeto de menor aprendiz mantido pela escola em parceria com empresas de Jundiaí.
O investimento passa também por uma parceria pedagógica com a cidade italiana de Reggio Emília, que adota um método de escola comunitária, com o envolvimento dos pais no processo educacional. Todos os anos, a escola promove um encontro com professores italianos e investe na capacitação de seus docentes.
Uma medida do bom resultado que a fundação atinge com esses jovens é o índice de ex-alunos que ingressam em universidades com bolsas do Prouni: 95%. “Esses alunos, quando chegam à faculdade, chegam mais preparados, emocionalmente mais fortes, têm menor evasão”, diz Cida Bosco, diretora da escola.
Isso pode fazer parecer que a escola da Fundação Antonio Antonieta Cintra Gordinho consegue superar qualquer expectativa que dela se pudesse ter. Esses resultados, no entanto, mostram que ela atinge o exato objetivo a que se propõe quando recebe todos os anos novos alunos em sua creche, na educação infantil e no primeiro ano do ensino médio.
Assim como as mães de Luana, Artur e Alison, a cozinheira Maria do Rosário sabe que Giovana está exatamente onde deveria estar, e que ela não vai parar na primeira conquista, no meio do caminho, não em qualquer lugar.